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SEEB Juazeiro

Bolsonaro e a egocracia



Muitos temiam que Bolsonaro desse um golpe em 7 de setembro, fechasse o Congresso e o STF. Não foi o meu caso. Estou convicto de que o golpe já ocorreu em 2016 perpetrado, por traição, pelo então vice-presidente Michel Temer. O impeachment da presidente Dilma, sem nenhuma acusação consistente como base, pretextou firulas administrativas e fez semear o joio antidemocrático.

A farsa se fez tragédia. Um político desqualificado, punido pelas Forças Armadas por planejar atentados terroristas, vinculado a milícias criminosas e contumaz patrocinador de rachadinhas familiares, chegou à presidência da República. Homem de visível desequilíbrio emocional, indiferente à dor alheia (genocídio, carestia, inflação, crise hídrica, desemprego, queda do PIB etc.), move-se pela obsessão em três pautas: liberação do comércio e porte de armas; retorno ao voto impresso; e repetidas ofensas àqueles que dificultam seus arroubos antidemocráticos, como os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso.


Bolsonaro sabia não dispor de condições para emplacar, em 7 de setembro, o seu “AI-5”, o golpe no golpe. Em 1968, o golpe de Estado perpetrado em 1964 e que derrubou Jango, presidente democraticamente eleito, ganhou reforço com o golpe no golpe, que borrou a maquiagem supostamente democrática adotada pela ditadura militar.


Bolsonaro não tornou realidade suas bravatas antidemocráticas em 7 de setembro por lhe faltarem condições imprescindíveis ao êxito: apoio popular; conjuntura internacional favorável; e adesão das Forças Armadas. Na tropa, ele é tolerado, não apoiado. Daí seu apelo às polícias civil e militar, cuja parcela cumpliciada com a criminalidade advoga o “excludente de ilicitude” como carta branca que lhe permita consolidar-se como máfia.

Quem são os 23% que ainda apoiam Bolsonaro? Seus adeptos nem sabem o que é fascismo. São desprovidos de ideologia teoricamente consistente. Abraçam a egocracia, sistema de governo no qual os interesses individuais estão acima dos direitos coletivos.

O egocrata odeia leis. Adepto do vale-tudo, apregoa a violência como única via de alcançar suas ambições. Quem dele discorda não deve ser tolerado, deve ser física e/ou virtualmente eliminado. Em seus negócios, abomina fiscalização, sonega impostos e mira o sistema financeiro como um grande cassino.

O egocrata despreza princípios éticos, nutre preconceitos ao diferente, arvora-se no moralismo de quem clama contra a corrupção e, ao mesmo tempo, apoia políticos notoriamente corruptos que defendem suas teses.

O ideal de nação do egocrata é o bem-estar de sua família. Danem-se os miseráveis, morram os que se encontram em situação de rua e os contaminados pela Covid-19, proíbam-se movimentos populares e identitários, queimem-se os defensores do meio ambiente, aniquilem-se os povos indígenas, cale-se a imprensa crítica.

A egocracia é o regime do individualista que considera baboseira tudo que possa afetar sua liberdade de agir segundo seus interesses privados: Constituição, direitos humanos, princípios éticos. Adora um deus criado à sua imagem e semelhança. Movido pelo ódio, despreza a razão. E sua insígnia preferida é a arma de fogo, cujos disparos põem fim a todos os argumentos contrários à sua ganância.

É preciso levar a sério os egocratas. Isso implica denunciá-los, atuar intensamente por eleições democráticas em 2022, reforçar os movimentos sociais, participar das mobilizações virtuais e presenciais contra o atual (des)governo, fortalecer o trabalho de educação política junto aos setores populares.

Engana-se quem acredita no “mea culpa” de Bolsonaro após o fracasso das manifestações de 7 de setembro. A fera recua mas não perde a sua inata agressividade. Daí a importância de os brasileiros se mobilizarem contra o autoritarismo e a favor da democracia.

Convém refletir sobre o conto de Kierkegaard, que me foi remetido por Leonardo Boff:

Ocorria um incêndio nas cortinas do fundo do teatro. O diretor enviou então o palhaço, já pronto para entrar em cena, a fim de alertar a plateia acerca do risco que todos corriam. Suplicou que agissem para apagar as chamas. Como se tratava de um palhaço, todos imaginaram que era apenas um truque para fazer rir as pessoas. E elas riam, riam muito. Quanto mais o palhaço conclamava a todos, mais riam. Pôs-se sério e começou a esbravejar: “O fogo acaba de queimar as cortinas. Se não agirem, vai queimar todo o teatro e vocês juntos”. Todos acharam tudo aquilo muito engraçado, e comentavam que o palhaço desempenhava esplendidamente o seu papel.

O fato é que o fogo consumiu todo o teatro, com todas as pessoas dentro.

E termina Kierkegaard:

Assim, suponho eu, é a forma pela qual o mundo vai acabar no meio da hilaridade geral dos gozadores e galhofeiros, que pensam que tudo, enfim, não passa de mera brincadeira. * Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do poder” (Rocco) e “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org


Fonte: Altamiro Borges.

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